Sonhos são reais. Eles são feitos de pontos de vista e de esperanças perdidas.
Esta newsletter não foi escrita, foi sonhada.
Bom dia, pessoal!
Dormiram bem? Com o que sonharam?
Às vezes, nossos sonhos são retratos dos nossos desejos. Em outros momentos, eles revelam nossos medos. Enquanto nosso corpo descansa, nossa mente desperta e nos leva a criar histórias que traduzem o que estamos sentindo. De uma forma tão criativa que nós mesmos temos que, despertos, interpretá-las. É um pouco descobrir quem somos de verdade, decifrando sinais que nosso inconsciente nos envia. Sonhar é ter esperança. E os sonhos que esquecemos? Esperanças perdidas? Queremos muito realizar nossos sonhos. Mas quando o sonho vira real… o sonho acaba?
As pessoas pensam que os sonhos não são reais porque não são feitos de matéria, de partículas. Sonhos são reais. Mas eles são feitos de pontos de vista, de imagens, de memórias, de trocadilhos e de esperanças perdidas. (Neil Gaiman)
Página em Branco
por Bianca Rosolem
Chegada a hora, ela começou.
De primeiro, tímida e insegura, não sabia se conseguiria.
Reviu seus antigos trabalhos, todos lindos, porém, ela não reconheceu aquela voz.
Aquele tempo, que para ela passou, levou com ele aquela que havia escrito todo aquele passado.
Inevitável foi, então, o passo recuado para um grande suspiro – poético, sim, sobretudo, existencial – e o angustiado autoquestionamento:
– Quem sou eu, hoje?
Ora, inegável que aquela menina, dolorida e assustada, era ela. Mas também, não era mais ela! Isso mesmo, ser ou não ser a mulher que era a menina.
Fiquei debruçada entre todas essas Eu’s e suas mais diversas vozes, que contaram suas histórias de prosa e verso, procurando quem então poderia hoje ser.
E de todas elas, encontrei a matéria bruta – acredito – que as une e as identifica mesmo que sejam tão diferentes vidas: O sonho.
Ainda que a voz seja triste, melancólica, ou energética, irônica e revoltada, sempre, sempre, sem sombra de dúvidas – acho que nenhuma mesmo – todas foram sonhadoras.
Elas sempre sonharam, desde muita jovem, ainda criança, com as curiosidades e mistérios da vida, com a beleza, o amor, a liberdade, a alegria... a magia.
– Eu, hoje, sou a eterna Sonhadora!
Afinal, o que nos define? Alguns podem dizer que é a realidade. Mas eu me pergunto:
– E a realidade, quem a define?
Logo me respondo:
– Eu!
Então, que voz poderá me convencer de que o sonho não é realidade, e que o real não é sonhar?
Não, ninguém, nem eu mesma, nem a Eu mais cética e derrotada poderia ser maior que essa crença nos sonhos.
De posse dessa Eu sonhadora, decidi acatar esse caminho, essas linhas, esses pensamentos e fui além (não acreditei que conseguisse ultrapassar 5 linhas), e deixei esse sonho de mim mesma me guiar.
É chegada a hora de sonhar acordada e de olhos bem abertos.
E nessa entidade do Eu, como projeto de uma grande ficção emanada dos sonhos, sou minha própria criação.
Eu posso sonhar realidades.
Nos meus sonhos, a minha matéria primordial, dou voz às minhas profundezas.
Ali, as camadas superficiais da vida desaparecem e nesse encontro só existe a minha realidade:
O sonho.
Prisioneiro dos Sonhos, Livre dos Limites
por Cassiano Rodka
O quadrinista francês Marc-Antoine Mathieu é um mestre na arte de quebrar a quarta parede. Não só a quarta, mas a quinta, a sexta e qualquer outra parede que aparecer pela frente. Determinado em desafiar os limites do formato das histórias em quadrinhos, o escritor criou a série Julius Corentin Acquefacques, prisioneiro dos sonhos.
O primeiro volume foi lançado em 1990 e, desde então, sete outros livros se seguiram. A história se passa em uma realidade distópica onde os seres humanos lutam por espaço em uma sociedade burocrática em que tudo é feito de forma automática. Há um quê de Kafka na narrativa, o que foi confirmado pelo próprio quadrinista. Ele revelou que o sobrenome do personagem, Acquefacques, foi criado pela sonoridade de “Kafka” ao contrário: Akfak.
A editora Comix Zone lançou dois desses volumes no Brasil e já anunciou que em julho deste ano teremos mais um livro da coleção. Fiquei impressionado pela maneira como Marc-Antoine Mathieu se libertou completamente das limitações da mídia e transcendeu as bordas dos quadrinhos de formas inimagináveis.
Em A Origem, Julius Corentin Acquefacques acorda de um sonho esquisito, mas logo se põe a seguir a sua rotina diária. Em uma realidade onde quase não há mais espaço no mundo, ele vive em um apartamento minúsculo. Quando sai para o trabalho – ele é funcionário do Ministério do Humor –, ele percorre uma rua abarrotada de gente. É preciso entrar no fluxo de pessoas e ficar atento para sair na hora certa para não ser arrastado para o lugar errado. Quando ele chega em seu escritório, uma surpresa: uma carta endereçada a ele com uma página de história em quadrinhos onde ele é o personagem principal. Para a nossa surpresa, a folha em questão é a mesma página 4 do livro que estamos lendo. A partir daí, o personagem entra em uma busca por descobrir quem ele é e qual o seu papel no mundo. E nós somos arrastados com ele a um universo que se descola das páginas da HQ e extrapola as possibilidades do gênero. Sim, coisa de louco!
No outro volume, O Processo, Julius Corentin Acquefacques acorda de um sonho esquisito em uma realidade que parece ser ainda mais estranha: ele é surpreendido pela presença de um sósia. Assustado pela sua presença, ele opta por ignorar aquela situação e seguir sua preciosa rotina. Mas a existência do duplo se prova mais complexa do que ele gostaria e Julius Corentin Acquefacques se vê em uma busca pela reordenação da linha do tempo de sua vida. Eu garanto que você não está preparado para o tipo de desdobramento que ocorre nas páginas dessa história. A impressão é que, assim como o personagem é puxado para fora da história, nós somos puxados para dentro. O trabalho de construção do roteiro é... arquitetônico!
O terceiro volume, O Começo do Fim, está previsto para ser lançado em 30 de junho e eu não vejo a hora de acompanhar mais uma aventura no universo onírico de Julius Corentin Acquefacques.
Superdicas
🎧 Preparamos uma playlist pra te deixar Sonhando Acordado!
📚"Numa definição preliminar, o sonho é um simulacro da realidade feito de fragmentos de memórias.” Sidarta Ribeiro, neurocientista, biólogo, professor titular e vice-diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, desvenda a história, mitologia, ciência e metafísica dos sonhos no incrível livro O Oráculo da Noite, lançado pela editora Companhia da Letras.
🎞 Impossível falar de sonhos e não mencionar o mestre do inconsciente e do Império dos Sonhos, o diretor David Lynch. No documentário A vida de um artista, ele abre para o público as portas de sua oficina e revela a vida que moldou sua genialidade em transpor para o cinema as imagens e mensagens dos sonhos.
🎞 Outro filme que nos leva à terra dos sonhos é Dreams That Money Can Buy, do artista surrealista alemão Hans Richter. Uma pérola do cinema experimental, o longa-metragem, de 1947, narra a história de Joe, um homem que descobre que pode se conectar à mente das pessoas ao olhar diretamente nos olhos delas. Ele passa, então, a vender sonhos. O mais bacana é que cada sequência de sonho foi filmada por um artista diferente, incluindo grandes nomes, como Marcel Duchamp, Man Ray, Max Ernst, Alexander Calder, Darius Milhaud e Fernand Léger. Tá bem de amigos o Hans ou o quê?
📺 Dos quadrinhos para o streaming, a série Sandman traduz para a atualidade a fascinante história de Morpheus, o Rei dos Sonhos. Escrita por Neil Gaiman, a série tem produção do próprio autor e obteve sucesso em adaptar para a TV o universo fantástico criado pelo escritor britânico. Uma temporada disponível na Netflix, estamos torcendo para que venham logo as próximas!
🍬 Sabia que, no bombom Sonho de Valsa, o casal está dançando uma música real? Pois é, a partitura que envolve os pombinhos é da opereta Ein Walzertraum (cuja tradução seria “um sonho de valsa”), do compositor austríaco Oscar Straus. Escuta ela aqui:
🍹 Para quem gosta de um ambiente inusitado e cheio de surpresas, o bar e restaurante O Lúdico (Joaquim Távora, 1113 - Vila Mariana, São Paulo) traz várias salas que parecem ter sido criadas no mundo dos sonhos e um cardápio com opções insólitas, como o tobogã de bolinho de costela e o cupim desfiado com mandioca servido por uma vaca-unicórnio. Eu sei, coisa de louco!
Segue a gente no Instagram e no Substack.
Bons sonhos e até a próxima! 🍒🧚♀️