Olá, pessoal! Esta é uma edição especial da nossa newsletter!
O PáginaDois foi criado por dois irmãos, a Clarice Dall’Agnol e o Cassiano Rodka. Hoje, dia 9 de setembro, nossa mãe e nosso pai estão completando 52 anos de casados. Um amor de mais de meio século deve ser celebrado. Portanto chamamos nossa irmã Camila Dall’Agnol e escrevemos três textos dedicados a eles: diferentes visões de um mesmo amor.
Eu quero a sorte de um amor tranquilo Com sabor de fruta mordida (“Todo amor que houver nessa vida", Cazuza)
Nós
por Cassiano Rodka
A eles
Acordes abafados de guitarra faziam a trilha do meu arrependimento.
A porta se abriu e a anfitriã nos recebeu simpática. Eu mal a conhecia e não ia com a cara dela, mas meus amigos me convenceram a vir. Não costumo frequentar festas com pessoas da minha idade, sempre preferi sair com gente mais velha. Mas lá estava eu cumprimentando a gurizada. Casa lotada, música animada, eu precisando de um drinque. Parei procurando o bar e meu olhar pousou em uma sacada. Eu olhei para ela e ele olhou para mim. Mas me fiz de louca e continuei conversando com o Mário como se não tivesse percebido ele chegando. De imediato, um nervosismo tomou conta de mim. Minha mente não se concentrava em mais nada do que o Mário dizia, meus pensamentos se dedicavam a montar uma cena onde eu via ele se aproximar de mim. Discretamente, meu olhar passou a cuidar os movimentos dele. Foi até o bar e peguei um Samba. Se vou ter que ficar a noite inteira nesta casa, é bom eu começar a beber. Voltei a olhar a moça na sacada. Via ela agora de perfil. E era um perfil hipnótico, nem sei quanto tempo fiquei delineando as curvas do rosto dela. As sílabas gritadas do meu nome interromperam o transe. Meus amigos me acenavam e fui com eles para perto da sacada. Reconheci o Mário e fui cumprimentá-lo, sem demonstrar muito interesse nela, como se eu não percebesse que ele estava louco para se apresentar a mim. Me olhou nos olhos – e que olhos ela tinha! – e pronunciou com orgulho o seu nome, como se aquele fosse o seu título. Ela disse-me o seu com uma delicadeza tímida que despiu suavemente o meu arrependimento. Aos poucos, nossos olhares foram se conhecendo, com aquela naturalidade que, de tão natural, estranha-se. Ela mencionou um curso onde vi ele pela primeira vez e o prendi na mente para só então libertá-lo. Torná-lo real. Vê-la comigo. Era tão certo. Era tão simples. Um breve silêncio na sacada foi logo cortado por uma música que nos convidou a dançar. Concedi a dança. Abracei ela. Ele me enlaçou nos braços. Ela me amarrou nos cílios. Eu era ele. Ela era eu. E, daquele momento em diante, éramos nós.
A Dança
por Clarice Dall’Agnol
Há alguns anos, escrevi um haikai intitulado “Amor de Diamante”, após ouvir detalhes de uma história de amor lindíssima, contada por uma amiga minha. Os avós dela estavam fazendo naquele ano bodas de diamante, evento que marca sessenta anos de convivência de um casal. Lembro que a narrativa me deixou extremamente enternecida. O casal de velhinhos havia se amado de modo único e especial por mais de meio século. Na época, pensei na passagem do tempo, no amor, e nos laços indissolúveis que um relacionamento longo, saudável, respeitoso e sólido consegue criar.
Meus pais, Beatriz e Antonio, cultivam esse tipo de amor. Há cinquenta e dois anos, completos hoje, 9/9/2023. Cresci em um ambiente familiar onde sentíamos esse amor, vivíamos esse amor, degustávamos esse amor: eu, minha irmã, e meu irmão. O amor estava sempre ali, em cada gesto deles, em cada cuidado, em cada palavra de apoio, em cada conselho, em cada história lida, em cada música tocada. Em cada ensinamento. Em vinte e dois anos morando com eles, jamais ouvi uma discussão ou briga. Muito menos um grito, um xingamento, uma atitude desrespeitosa. Eles se entendiam por olhares. Uma comunicação suave e macia, como um bailado improvisado, orgânico e lírico, que nos impregnava também, e nos fazia crescer com segurança e conforto emocionais.
Um pouco antes de começar esta pequena crônica, li o conto maravilhoso que meu irmão Cassiano escreveu sobre eles, e que está aqui hoje na newsletter. O Cassi transforma nossos pais em personagens de uma história bela e envolvente, que mescla duas vozes narrativas que se entrelaçam de modo inesperado e primoroso, completamente inebriadas por um apaixonamento bombástico e instantâneo, em uma harmonia tão perfeita quanto o amor de nossos pais. O Cassi-narrador, com a sofisticada maestria que só os poetas natos possuem, conduz os leitores e as leitoras por essa dança tão singela, (e ao mesmo tempo tão poderosa) da descoberta do verdadeiro amor. Peguei-me sorrindo emocionada ao ler, e, ao final chorando, arrebatada, desejando um amor assim para todas as pessoas pelas quais sinto carinho.
Obrigada, Mami e Papi, por tudo, e por tanto. Aqui deixo o haikai que comento no início deste texto, desejando ardentemente que vocês cheguem ainda mais unidos, em breve, ao seu “Amor de Diamante”:
Se todo amor durasse 60 anos, Que importância teriam 60 minutos, 60 segundos...?
Espelho
por Camila Dall’Agnol
Aos meus pais
Existe algo em mim que não é meu Pedaços de qualquer coisa tão familiar Que é espelho do lado de dentro. O direito de ser livre sem estar só A regalia de ganhar o mundo A salvaguarda de voltar Porque o esteio ali estará. Há resquícios que rejeitei Fragmentos que reproduzi Retalhos que, com gosto, preservei. Olhos de ver Cheiro de assado suspenso no ar Bossa nova a soar Espelho do lado de fora.
Superdicas
📚 Veinte poemas de amor y una canción desesperada é um magnífico livro de poemas do escritor chileno Pablo Neruda, publicado em 1924, há quase 100 anos, e ainda atualíssimo, porque, sabemos, a arte de amar é atemporal.
💥 Batatinha Fantasma é um projeto de tirinhas sobre o cotidiano da vida a dois criado pelo casal Carol Borges e Filipe Remedios. Para celebrar 5 anos, eles decidiram fazer um livro com as melhores tirinhas e algumas inéditas. Apoie o projeto no Catarse!
🎧 Georgia on my Mind, na versão de Willie Nelson, porque me lembra sempre de meu pai, e qualquer uma do Djavan, que me lembra minha mãe, mas aqui recomendo especialmente Eu Te Devoro.
🎞 La La Land, filme que já é um clássico moderno, musical incrível dirigido por Damien Chazelle, que meus pais amam!
📺 Breeders é uma série inglesa que mostra os altos e baixos de um casal com dois filhos, de maneira divertida e às vezes dramática. Disponível no Star+.
🍹 O Chopp Stübel é um tradicional bar alemão em Porto Alegre, que existe há décadas, e é o favorito de nossos pais! Na Rua Mariland, 431.
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Até a próxima! 🍒🧚♀️
Maravilhoso!!💖💖💖